Porque “a terra é o que todos nós temos em comum” — Wendell Berry

Traive Brasil
7 min readJul 17, 2020

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Por Mauricio Quintella & Marjan Tabari @Traive Brasil

Photo by DOMINIK JPW

Inúmeros relatórios já foram escritos sobre a importância e a urgência da redução de emissões, desenvolvendo mecanismos de enfrentamento diante dos efeitos inevitáveis ​​das mudanças climáticas e o papel da agricultura neste contexto. Um desses relatórios é o da McKinsey & Company de abril de 2020 sobre “Agricultura e Mudanças Climáticas”. Entre os muitos fatos e opiniões interessantes que o relatório inclui, duas de suas observações chamaram nossa atenção:

Primeiro, embora a agricultura ainda seja considerada um dos principais contribuintes para a mudança climática, não devemos esquecer que “Ao longo da história da humanidade, a agricultura respondeu aos maiores desafios da humanidade” e ainda é crucial com uma grande “oportunidade de fazer mais uma grande contribuição para o sucesso da humanidade durante essa janela crucial de ação. ” O relatório sugere as 15 principais medidas que, se tomadas de maneira adequada e oportuna, podem reduzir as emissões do setor agrícola em até 20% até 2050.

É uma ótima notícia, é claro, se conseguirmos superar os desafios específicos da agricultura, o que nos leva à segunda observação interessante do Relatório: A agricultura é “significativamente menos consolidada do que outros setores; reduzir as emissões requer ação por mais de dois bilhões de pessoas empregadas na agricultura, ou um quarto da população global. ” Ela também “tem um conjunto complicado de objetivos a serem considerados juntamente com as metas climáticas, incluindo biodiversidade, necessidade nutricional, segurança alimentar e meios de subsistência de agricultores e comunidades agrícolas”.

De fato, na ausência de uma só solução que faça com que toda a indústria se comprometa com certos limites e práticas, esses desafios fazem com que a ideia de implementar as 15 medidas mencionadas acima pareça muito complexa. O financiamento, acreditamos, é a solução que tem a capacidade incomparável de alinhar os interesses e ações de diferentes players. No entanto, não somos os únicos que pensamos nisso! Já faz um tempo que tanto a Inclusão Financeira quanto o Financiamento Ecológico / Sustentável têm recebido muita atenção e, apesar do longo caminho a ser percorrido, também houve grandes conquistas.

O financiamento é fundamental para alcançar as metas de mudança climática, pelo menos em três níveis: 1) Não financiar práticas insustentáveis ​​(por exemplo, oferecer empréstimos vinculados à sustentabilidade). O plano ABC do Brasil é um ótimo exemplo, que explicaremos mais adiante. Vamos chamar isso de papel progressivo das finanças. 2) Estender recursos financeiros a grupos marginalizados de agricultores, cuja falta de acesso a serviços financeiros acessíveis às vezes os leva a recorrer a práticas de curto prazo e insustentáveis. As finanças podem desempenhar um papel de “controle” aqui para minimizar ou impedir os piores cenários. 3) Além disso, não devemos esquecer que, além de afetar a mudança climática, “A agricultura é atingida com força, causando cerca de um quarto de todos os danos e perdas causados ​​por riscos e desastres naturais nos países em desenvolvimento”. Portanto, o financiamento também desempenha um papel de “proteção”, a fim de aumentar a resiliência financeira dos agricultores, especialmente diante das mudanças climáticas.

Tanto os créditos de longo como os de curto prazo são críticos nos três papéis desempenhados pelas finanças. Embora os créditos de longo prazo preparem o caminho para mudanças, como a adoção de “práticas de plantio direto em escala” (que é uma das 15 medidas sugeridas pelo Relatório), os créditos de curto prazo são críticos de outras maneiras, como melhorar a aplicação e a escolha de fertilizantes e defensivos agrícolas

Idealmente, as finanças deveriam desempenhar esses papéis, independentemente do tamanho ou da orientação comercial das fazendas, mas, se esse fosse o caso, não estaríamos nessa situação. O financiamento verde e sustentável (que desempenha o papel progressivo) ainda está longe de ser popular e a inclusão financeira dos agricultores marginalizados ainda tem um longo caminho a percorrer. É preocupante saber que, de acordo com a FAO, globalmente, o crédito comercial total destinado à agricultura é menor do que a contribuição do setor ao PIB. Em 2018, “o setor agrícola em quase metade dos países recebeu menos de 3,5% do crédito total” .

Se queremos abordar a questão das mudanças climáticas por meio da agricultura, a questão crucial é “como”, e não “se”, devemos investir mais nesse setor. Não existe uma solução fácil e única para essa questão, mas em qualquer abordagem adotada, é fundamental integrar dois ingredientes na receita: 1) soluções combinadas de tecnologia e finanças, que usam o poder da tecnologia e acesso a dados para desbloquear radicalmente novas oportunidades 2) Parcerias estratégicas dentro e entre os setores público e privado que criam um potencial sem precedentes para resolver problemas complexos em larga escala.

Tradicionalmente, a realização de avaliação de risco de crédito dos agricultores tem sido associada a ineficiências operacionais que aumentam o custo e diminuem a confiabilidade da avaliação. Isso fez com que o financiamento agrícola fosse percebido como um negócio de alto risco e pouco lucrativo, e fez com que muitos credores ficassem afastados desse setor ou aumentassem as taxas de juros ou impusessem garantias muito pesadas, as quais causaram um grande segmento de agricultores a serem excluídos financeiramente. Agora, com a mudança climática global e a pressão em direção a práticas agrícolas sustentáveis, os credores estão gradualmente enfrentando ainda mais dificuldades e incertezas nesse mercado. Por um lado, eles precisam integrar os riscos das mudanças climáticas em sua avaliação de risco de crédito, o que é uma tarefa assustadora. Por outro lado, se eles desejam oferecer empréstimos vinculados à sustentabilidade, precisam ter sistemas efetivos e eficientes para monitorar o desempenho do tomador, idealmente em todos os momentos da vida do empréstimo, para garantir que o tomador está cumprindo os requisitos de sustentabilidade. Isso significa custos operacionais ainda mais altos e mais incertezas no processo.

É por isso que em muitos países a agricultura desempenha um papel importante em sua economia, os governos tiveram de criar programas especiais de crédito, vinculados aos requisitos de sustentabilidade. Por exemplo, a linha de crédito do Plano ABC do Brasil é o maior programa de Climate Smart Agriculture (CSA)do mundo e é um dos pilares da estratégia do Brasil para reduzir as emissões de GEE. Ele incentiva a adoção de práticas agrícolas de baixo carbono, oferecendo empréstimos a juros baixos aos agricultores que adotam práticas sustentáveis ​​específicas. A Embrapa, empresa de pesquisa estatal conhecida por desenvolver um modelo brasileiro de agricultura tropical, está apoiando o programa, fornecendo um sistema integrado de MRV (mensuração, relato e verificação).Este sistema é essencial em muitos aspectos, como coleta de amostras de solo e monitoramento remoto do desenvolvimento de culturas. Desde 2010, o Plano disponibilizou empréstimos no valor de R $ 27 bilhões para agricultores que se enquadram em condições específicas, dos quais um total de R $ 18 bilhões (US $ 4 bilhões) foram desembolsados ​​entre os agricultores. Uma combinação de fatores dificultou o desembolso do valor restante, pelo menos alguns dos quais poderiam ter sido evitados por meio de um uso mais estratégico da tecnologia para automatizar e otimizar os processos. No entanto, apesar de todos os desafios, o Plano desempenhou um papel significativo na aceleração da taxa de adoção de práticas de baixo carbono entre os agricultores.

Contudo, se queremos ampliar o escopo do financiamento agrícola sustentável, não podemos nos dar ao luxo de depender apenas de fundos públicos ou da presença limitada de instituições financeiras privadas. É cada vez mais importante migrar para um crédito agrícola baseado no mercado e reduzir a dependência de programas de crédito, como o Plano ABC, de recursos públicos. Essa necessidade já é reconhecida pelo governo brasileiro e se reflete em algumas de suas iniciativas recentes (sobre as quais escreveremos em outro post do blog).

Esta é realmente uma ótima notícia e uma grande oportunidade de fazer parcerias estratégicas com as AgFintech que estão aproveitando o poder da disponibilidade de Dados e novas tecnologias como Machine Learning, algoritmos de NPL, drones, reconhecimento de imagem, sensores, satélites, inteligência artificial, etc, para coletar uma quantidade incrível de dados de qualidade a um custo sem precedentes e fazer avaliações dinâmicas de risco de crédito com taxas de precisão consideravelmente mais altas do que antes. De acordo com a John Deere, uma propriedade rural média passou “de gerar 190.000 pontos de dados por dia em 2014 para 4,1 milhões de pontos de dados projetados em 2050” (Snyder & Castrounis, documento de trabalho 2020/2020 da BRIE). Nesta nova era, a coleta de dados e a análise de risco de crédito não deveriam mais ser uma barreira de custo para os financiadores agrícolas, quando, graças às novas tecnologias, até mesmo as áreas rurais mais remotas podem ser alcançadas.

Embora os problemas de mudança climática e inclusão financeira sejam muito mais complexos do que a transformação na avaliação de risco de crédito, acreditamos que resolver esse problema é essencial neste processo. As AgFintech como a Traive já estão abrindo o caminho para uma revolução de crédito; no entanto, apenas o poder das parcerias e da cooperação que pode multiplicar seu impacto. Embora não seja um trabalho fácil, temos tudo o que é necessário para que esse objetivo ambicioso se torne realidade. A questão é se seremos capazes de nos unir para que isso aconteça. De fato, “somos a primeira geração capaz de acabar com a pobreza e a última geração que pode tomar medidas para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. As gerações futuras nos julgarão duramente se não cumprirmos nossas responsabilidades morais e históricas.” (Ban Ki-moon)

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Plataforma financeira digital aberta que conecta toda cadeia agrícola ao mercado de capitais.